As cores da Estrada
São retas sem fim, a paisagem vai passando em cores sem nome, cores que vejo mas tenho dificuldade para definir ou mesmo explicar. A estrada reflete o sol a manhã inteira, prateado com listras amarelas. Contínua, tracejada, tracejada, tracejada, tracejada...
Aqueles morros da Chapada de Diamantina, vendo daqui de onde estou passando, tem um véu azul transparente, dá mistério e magia.
Estes
arbustos-árvores, secos, com os galhos postos para o céu, clamando
chuva, tem uns tons de cinza e preto. Sim, há tons de preto, um pouco
mais quentes, um pouco mais frios...são cores sem luz... aqui e ali aparecem uns sacos plásticos, azul, amarelo, vermelho...me lembram Miró.
Passa por meus olhos, nos dois lados da estrada, um mato amarelo,
uma cabeleira sem fim, com um pitada de laranja, e talvez meia pitada de
verde...vejo suas costas no retrovisor da moto, parece outra planta, o
sol lateral determina os tons.
Aquela queimada também parece ter uma gotinha de vermelho, mas é cinza-preto. Com uma gotinha de vermelho.
Como pode o azul do céu ser infinito? Que cor é esta?
Sigo na direção do horizonte.
A estrada passa faceira por baixo das rodas, me empurrando para frente.
A estrada passa faceira por baixo das rodas, me empurrando para frente.
E o horizonte é, assim como a vida eterna, um lugar que não sabemos quando o alcançaremos.
Paris, Texas: BR 316
Paris, Texas: BR 316
Não sei se todos assistiram o filme Paris, Texas, dirigido por Wim Wenders, mas a BR 316 é
mais ou menos daquele jeito. Pelo menos no trecho que peguei de Floresta-PE até perto de Cabrobró-PE, rumando para Salgueiro-PE. Só faltaram aqueles arbustos voando e rolando pelo
chão...aqueles que também aparecem nos filmes de Faroeste...
Quilômetros e mais quilômetros de nada.
Tudo seco esturricado,
apenas uns poucos arbustos esverdeados na beirada da pista...falsos é
claro! Com tanta secura aquelas folhas verdes devem ser de plásticos!!!
Fico pensando na indigestão que terão aqueles cabritinhos que se
esticam, semelhantes às tartarugas de Galápagos, para alcançar umas poucas
folhinhas(de plástico, claro!).
Agora eu entendo porque alguns
cabritinhos surgem indecisos sobre um suicídio ou não. Ficam no meio da
pista a espera de um sinal que determine suas decisões. Todos que
encontrei optaram pela vida, mas sem convicção...
Caminhões foram muitos, todos voltando!!!! Eu quase dei meia volta.
Que lugar é esse que todos os caminhões estavam fugindo de lá e ninguém
estava indo naquela direção(apenas eu)?
Amanhã tem mais. A meta é chegar à divisa de Aquiraz e Horizonte, municípios próximos à Fortaleza.
O mar me faz reverência
O mar acaba em meus pés
Vem, lambe e recua
É uma reverência invertida
Sou eu quem lhe deve respeito
Lascivo e sedutor
Me chama em ecos, em ondas
Não vou não
Diferente de um mergulho em seu leito
Assim como noite ao findar
É vc, vc a me engolir inteiro
Vou não, vou não...
Rio Pajeú! É você?
Estrada quente, estrada boa...não tenho do que me queixar.
Estou a caminho de Natal-RN.
A paisagem esteve árida em alguns trechos. O Sertão da Bahia perde muito. Era tantos arbustos secos esturricados, salpicados de espaças folhas verdes...uma imagem pontilhista...ou impressionista....sei lá!
Passei pelo rio Pajeú...disse meu tio Gino que não era O rio Pajeú....tudo bem, mas me lembrei de Luis Gonzaga mesmo assim:
Riacho do Navio
Corre pro Pajeú
O rio Pajeú vai despejar
No São Francisco
O rio São Francisco
Vai bater no "mei" do mar
O rio São Francisco
Vai bater no "mei" do mar
Salve São Francisco, me espere que eu chego já!
Segui cantarolando dentro do capacete, era uma variação, de certo modo, de cantar no chuveiro...eu achei que fosse...
Este Pajeú estava tão seco que parece que despejou tudo o que tinha, ficou a seco!
Mais à frente os mandacarus impuseram sua presença. Ocuparam as margens de forma imperativa e ostensiva. Pareciam até do movimento dos Sem Terra, ou sem margem...
Alguns estavam florindo...passavam por mim, floridos, e eu a passar por eles vendo eles sorrirem ao me verem passar.
"Mandacaru quando fulora na seca
É o siná que a chuva chega
No sertão"
Novamente Luiz Gonzaga vem me fazer companhia...
Vamos Luiz! Vamos!
Pernambuco tem um sol inquieto
Já são quase de 6 mil kilometros...
Vi muita coisa, paisagens que ficarão na memória....mesmo que talvez esquecidas....ficarão feito carimbos...
Pernambuco tem um sol que não tem paz ao se deitar.
Estrada sinuosa, para os lados, para cima e para baixo.
Acho que estava chegando em Arcoverde...já não tenho certeza...foram muitas chegadas e partidas...
O sol se pondo à minha frente, tão lindo e encadeante ao mesmo tempo, estava quase a não enxergar a estrada.
Enfim deitou-se.
Na próxima curva levantou-se derrepende! Como assim! Vai dormir rapaz!
Novamente pensei ver seus olhos fecharem...mas ao passar por um caminhão, após uma pequena subida, me deparo com aquele sol-acho-que-sonâmbulo pernambucano saracotiando ainda diante de meus olhos.
Que sol é este que fica mudando de um monte para outro? Parece que pula de uma cama para outra. Acho que ele não vai descansar nunca!
Vencido pelo cansaço, eu e ele, enfim o sol se põe.
Mas antes, e quem fotografa neste horário sabe do que estou falando,
ainda levantou a cabeça (a minha já estava quente), e sossegou.
Ufa.
Pernambuco invade meu olfato e minhas lembranças
Ao deixar a região das vinículas, perto do Rio São Francisco, pego o rumo de Petrolina e Juazeiro após dois copos de vinho às 8h30 da manhã.
Fui parado por uma Blitz, mas como passo pelo triângulo da maconha não tinha bafômnetro, sigo em frente. Sem baculejo nem revista, e sem maconha na bagagem. Colhi apenas mais alguns elogios para minha moto.
Vejo canaviais que me levam para a infância na Preaóca, lembro dos burros carregando cana nas cangalhas e arrastando os matos pela estrada de pissarra...aquela terra vermelha ainda está nos meus olhos...
Sigo rodando convicto que vou mesmo para algum lugar. Sinto no ar um cheiro de rapadura.
Sigo rodando com a convicção de alguém que precisa se encontrar. Sinto no ar um cheiro de castanha sendo assada em um fundo de quintal, imagino as pequenas brasas cercadas por tijolos brancos.
Pernambuco invade meu olfato, cutuca minhas lembranças que se fingiam adormecidas.
Acordo para os cheiros da estrada.
Baiana Sensual
Peguei a baiana pelo pé.
Estou subindo.
Sou regozijo em suas curvas.
Passeio devagar, para nunca terminar.
O amanhecer dá uma preguiça...
Vou indo, seguindo seu desenho
Serpenteando à minha frente(e embaixo) esta baiana
parece contorcer-se sem nunca estirar-se.
Sigo como quem alisa.
Sua mata densa encanta e hipnotiza, me abraça sem sufocar, ameaça deitar-se sobre mim.
Mantenho curso e ritmo.
Respiro fundo, devagar, quero guardar seu cheiro.
Atento aos seus sons torço para que ecoem em minha memória.
Em prazer sinuoso tento decorar seu desenho e formas.
O presente será passado em breve.
Deixarei esta baiana que não sei o nome para trás, esta estradinha baiana liga, de braços abertos, Lençois à BR 242.
Deixando os Lençóis vou rumando para Brasília
Poucas estradas me deram tanto prazer ao passar.
Até mais ver Chapada, volto um dia.
Prazer é algo para se repetir, mesmo que seja outra sensação...
Pergunta que não quer calar
Estes morros que me acompanham pela estrada, vão para o mesmo lugar que eu?
Ou apenas me seguem com os olhos?
Inseto existencialista
Saindo de Lençóis, um frio inimaginável em estradas Baianas, sigo convicto que a viagem não pode parar.
O casaco de couro furadinho, para ventilar, próprio para climas quentes, agora me traz um desconforto traumático.
Mergulhado na bela paisagem da Chapada de Diamantina sigo avançando, mas...sobre a viseira do capacete um inseto avançou, avançou e parou!
Morto.
Bem no meio, entre as sobrancelhas, entre-olhos...
Suicídio? Homicídio? Livre arbítrio?
Sigo ventilando(a frio) hipóteses.
No caso de suicídio precisamos considerar o direito de escolha daquele pobre inseto. Até onde o livre arbítrio existe no mundo animal? Irracionais têm livre arbítrio?
Olho na estrada. Filosofar sim, distrair-se não.
No caso de homicídio sou um algoz sem intenção de matar, típico caso de homicídio culposo. Não sei qual seria a pena no caso de condenação.
Pensando sobre o livre arbítrio do inseto e sobre a máxima de que não cai uma folha se quer sem a consentimento e conhecimento Divino isento-me de culpa, tenho provas materiais, e corporais(dele), de que o inseto jogou-se, ou deixou-se levar, até a colisão com meu capacete.
Na próxima parada vou lavar minha viseira, preciso me livrar das provas, e da culpa que sigo, entre os olhos, sendo lembrado a cada kilometro percorrido.
Para seguir viagem é preciso sentir-se leve...para a viagem fluir.
Joguem fora os GPS e os Mapas!
A aquisição de um GPS foi uma das primeiras providências que tomei quando decidi fazer uma grande viagem de moto. Minha principal preocupação sempre foi a baixa autonomia da BlueNote. Achei que poderia visualizar os postos de gasolina. Bobagem! Há locais na estrada que nem sinal tinha. A estrada seguia por um lado e a imagem de moto, que deveria estar em cima da estrada, seguia a "léguas" de distância da estrada no mapa do GPS.
Também comprei um Mapa 4Rodas. Foi mais útil. Seguindo uma dica tirei cópias dos trechos previstos da viagem e coloquei na bolsa de tanque. Ali tem as distâncias entre as cidades, mas o não o estado das estradas. Indica apenas quando a estrada está muito ruim, informa neste caso o telefone da Polícia Rodoviária mais próxima desse trecho. Legal!
Mas nada substitui as precisas informações dadas pelos frentistas dos postos que encontrei em meu caminho.
Para confirmar a regra, os filósofos já diziam que regra que não tem execeção não é uma regra, me dei mal no trecho vindo de Petrolina em direção à BR 243, rumo à Lençóis-BA. Por um lado o frentista, macumunando com um caminhoneiro, sugeriu que não seguisse em direção à Feira de Santana, mas pegasse um caminho mais curto passando em Ruy Barbosa, por outro lado os caminhos que pesquisei nos mapas e no google também apontavam para eu passar naquela buraqueira.
Foi o pior trecho de toda a viagem, caí, sorte que estava devagar, e segui por buracos cercados por pequenas porções de asfalto...até mudar o rumo em direção à Itaberaba onde descasei o corpo e os nervos antes de seguir para Lençóis no dia seguinte.
Voltemos à regra, Deus salve os frentistas!
Proponho fazermos uma rede social de frentistas, assim poderíamos consultá-los sobre as distâncias entre cidades, onde tem postos de gasolina e também o estado das estradas. Informações atualizadas e de confiança.
Não é possível viajar por estas estradas sem as preciosas informações dos frentistas.
Joguem fora os GPS e os Mapas!
Rede Social de frentistas de estradas já!
Viajo para(pelo) o (meu)interior
Não sei da experiência de cada leitor que agora viaja por minha palavras e reflexões, mas no meu caso tenho poucas, e breves, viagens feitas para fora de nosso país. San Francisco, New York, Lisboa, Madri, Barcelona...a lista é modesta.
Já rodei até o momento mais de 5.000 km por nosso Nordeste e percebo agora que é possível fazer um paralelo com nosso auto-conhecimento.
Talvez seja óbvio para alguns, mas acredito que vale a reflexão. Pensando sobre as duas experiências percebo que ao viajar para fora do país é como viajar para nosso exterior, de dentro para fora, olhando o que é externo a nós. Conhecendo lugares e pessoas, construindo um álbum a ser mostrado e compartilhado. Viagens para o exterior pedem relatos das aventuras e experiências. Pedem fotos.
Viajando de moto por estas artérias e veias pavimentadas do sertão e litoral brasileiro sinto-me viajando para o meu interior, olho para dentro, é um encontro comigo. Pedem textos. Induz reflexões.
Passamos nossa vida enquanto a paisagem passa por nós.
É preciso achar uma velocidade média, ao acelerar os pensamentos voam, é preciso prestar mais atenção à estrada. Seguindo sem pressa os pensamentos se reunem em uma confraria rica em descobertas, passeando por inquietações adormecidas que rodam nas idéias, trocando de prioridades.
Explorando nosso interior nos vemos em todos aqueles rostos que encontramos, e entendemos que em cada lugar que passamos já tinhamos um pedaço de nós ali. São cheiros, cores, paisagens... Seguimos colando os pedaços...
A estrada continua passando por baixo das rodas da moto, paro no posto para abastecer a moto e eu.
Lembro de uma música do mineiro Vander Lee:
"Sabe o que eu mais quero agora, meu amor?
Morar no interior do meu interior"
Onde assino? Não posso ser co-autor, mas talvez possa ser co-pensador.
Sei lá.
Pensamento Zen
"Um dia podemos descobrir que toda viagem é, de algum modo,
uma pregrinação em busca de um lugar que é o coração do viajante.
Seu destino final é a sua realidade interior.
Mas, faz parte do ritual a busca em lugares distantes,
aonde o seu coração sempre vai desejoso
de um encontro que nem sempre acontece"
(lido no livro Manual do Viajante Solitário, José Albano)
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